Hoje é um dia de fracasso. O
impeachment de um presidente da República é um fracasso nacional.
Mas é importante entendermos o
que aconteceu. Como chegamos a este fracasso.
Dilma Rousseff está sofrendo o
impeachment por parte de um Congresso fisiológico. O que motiva boa parte dos
parlamentares pró-impeachment tem mais a ver com sua própria sobrevivência e a
de suas práticas do que o futuro do Brasil. Entregam Dilma à turba de
brasileiros que marcham pelas ruas contra a corrupção na esperança de que sacie
sua fome. Vão-se os anéis, ficam os dedos.
Com alguma sorte, a turma
volta para casa e o Congresso segue a vida como ela era.
As pedaladas fiscais são uma
desculpa. Elas aconteceram. Aconteceram, entre 2014 e 2015, em níveis muito
superiores à prática de todos os presidentes anteriores. Principalmente no caso
de 2014, ocorreram por populismo eleitoral. Interessava a Dilma disfarçar as
reais condições da economia brasileira para se reeleger. As pedaladas de 2014 e
15 não são equivalentes às outras em volume ou no tempo. É bastante razoável
considera-las operações de crédito. Mas também é fato que o Tribunal de Contas
jamais as censurara antes.
As pedaladas são uma desculpa.
Dilma sofre o impeachment por causa da Operação Lava Jato que expôs os brutais
níveis de corrupção dentro de seu governo e no de seu antecessor e padrinho,
Lula. Sofre o impeachment por sua inépcia na gestão econômica do país. As
causas da crise podem estar lá fora, mas nenhum país emburacou como aquele
governado por Dilma. Sofre o impeachment, também, porque a nova classe
média, gestada durante o governo Lula, virou-lhe as costas. Virou porque está
ameaçada de perder tudo o que ganhou pela crise.
Presidente da Câmara, Eduardo
Cunha chantageou Dilma ameaçando abrir o processo de impeachment caso o
Planalto não o auxiliasse na luta por manter seu mandato. O Planalto quis
ajuda-lo. Tentou. Se esforçou. Os deputados federais do PT é que se recusaram a
ouvir os apelos do Planalto. Dilma estava plenamente disposta a ser
chantageada. Parlamentares petistas é que decidiram, ali, impor um limite. Um
raro gesto de dignidade que lhes custou caro, talvez. E a abertura do processo
veio. E mais de dois terços do plenário da Câmara achou por bem apresentar a
denúncia de impeachment ao Senado.
Não se trata de uma luta de
fisiológicos contra honrados.
O PT, ao chegar no Planalto,
acreditou que poderia jogar o mesmo jogo. Tornou-se tão fisiológico quanto os
velhos coronéis, tão corrupto quanto os antigos barnabés, tão capaz de
distribuir cargos, verbas e propinas quanto quaisquer outros políticos que já
estiveram no mando brasileiro.
Lula e seu governo são
investigados por práticas de corrupção em níveis nunca documentados. O prejuízo
oficial da Petrobras, aquele cravado em planilha, provocado pela corrupção de
diretores que se tornaram réus confessos, causado por negócios terríveis nos
quais há inúmeros sinais de ampla distribuição de propinas como a compra
improvável de Pasadena, equivale a 1% do PIB brasileiro. Os efeitos da brusca
queda da Petrobras sentem-se com violência em toda economia brasileira, em
particular no estado do Rio de Janeiro. Dilma Rousseff, a administradora capaz
que se gabava de microgerenciar cada casa decimal de cada planilha, presidia o
Conselho da Petrobras.
Ela é responsável pelo que
ocorreu na empresa. Ela é responsável pelo que aconteceu no Brasil nos últimos
cinco anos e meio.
Assim como Lula é responsável.
Um político extraordinário, brilhante, de um carisma ímpar. Não há hoje, no
Brasil, um político mais hábil do que Lula. Ele poderia ter comandado uma ong
internacional de combate à fome, poderia ter presidido a ONU, poderia ter sido
Nelson Mandela. Preferiu ser lobista de empreiteiras. É incrível como um homem
tão grande pode ser tão pequeno. Com suas palestras e seu nome, poderia ter
pago quantas reformas quisesse em quanto sítios de Atibaia desejasse, teria os
tríplex com os quais sonhasse. E ainda, pela pura força de seu carisma e de seu
nome, pela habilidade nata de costurar acordos, teria chegado ao Nobel da Paz e
melhorado a vida de um bom bilhão de homens, mulheres e crianças.
Lula preferiu ser lobista de
empreiteiras brasileiras na África e América Latina. Preferiu exportar o
fisiologismo pátrio.
O fracasso dele é o nosso
fracasso. É o fracasso cultural do Brasil. Porque Lula é o reflexo do que o
Brasil é.
Os antipetistas mais rábicos
podem acreditar que tiveram uma grande vitória e que afastaram do poder alguma
espécie de mal fundamental.
Os petistas mais irracionais
acreditarão que as possibilidades de um governo justo e social foram derrubadas
pelas camadas mais reacionárias da sociedade.
O que aconteceu foi
muito menor.
Só substituímos um governo
fisiológico por outro. O governo Michel Temer não tem uma política econômica
particularmente distinta daquela que Dilma tentou implementar a partir de 2015.
A diferença é que Temer é um político hábil e Dilma não o foi. A diferença é
que Michel Temer completa as frases que inicia. Com alguma sorte, estabilidade
econômica virá.
Mas Michel Temer é também o
Brasil velho. Como, aliás, o PT.
O impeachment é legal. Se é
legal, não é Golpe. Não é consolo.
Mas há a Lava Jato.
O fisiologismo brasileiro se
ancora na propina de grandes empresários que detém os mais vultosos contratos
públicos. É esta propina que, lentamente, vai financiando as campanhas
eleitorais que ampliam a base fisiológica nas Câmaras Municipais, Assembleias
Legislativas e Congresso Nacional.
O fisiologismo abraçado por
tucanos e petistas, assim como por peemedebistas e todos os outros.
Se alguém quer entender por
que o Congresso Nacional piora a cada ciclo eleitoral é por causa disso.
Porque, desde a redemocratização, a máquina do fisiologismo trabalhou para
produzir dinheiro de campanha e se procriar. Este tipo de vereador, deputado e
senador encontrou o caldo de cultura perfeito. A fonte da eterna caixa 2.
Mas há a Lava Jato.
E empresários, hoje, têm medo
de pagar propinas. Para eles, corromper ficou caro. O dinheiro de campanha que
alavancava a candidatura de parlamentares fisiológicos está desaparecendo. Será
um soluço inédito na história do Brasil para tudo voltar a ser como antes? A
política brasileira pode ter piorado, mas o Estado melhorou por dentro. Talvez
o Estado democrático tenha criado a vacina para este fisiologismo
patrimonialista que nos condena ao passado.
Essa é a esperança que nos
resta.
Pedro Doria é jornalista, também escreve sobre o impacto da tecnologia, no Globo e no Estado de S. Paulo, às sextas-feiras, além de comentar sobre o tema na CBN quartas e domingos.